A alegoria da FEBEM
A polícia recapturou, na manhã desta quinta-feira, Roberto Alves Cardoso, o Champinha. Ele havia fugido, na quarta-feira, da Febem da Vila Maria, onde estava desde 2003, quando foi condenado e preso pelo assassinato de um casal de adolescentes na Grande São Paulo. No curto intervalo em que esteve foragido, Champinha trouxe à tona novamente o debate sobre a redução da maioridade penal.
A redução da maioridade penal de 18 para 16 anos é vista por seus defensores como uma maneira de inibir a ação criminosa, uma vez que, aprovada a medida, não haveria mais "regalias" para os adolescentes infratores — como alegadamente existe hoje sob o guarda-chuva do Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA. O menor, sabendo que permaneceria encarcerado por mais tempo caso fosse preso, sentiria-se desistimulado a praticar novos delitos.
Esse argumento se baseia numa visão intimidadora da justiça. Dados da organização norte-americana Death Penalty Information Center mostram, no entanto, que esse modelo intimidatório não surtem o efeito esperado. Nos Estados Unidos, entre o período de 1990 a 2005, as taxas de homicídio foram percentualmente mais baixas nos estados onde não há pena de morte.
Resposta: com a maioridade penal reduzida, os adolescentes infratores ficarão presos pelo mesmo período de tempo que os adultos e, com isso, manter-se-ão distantes de quaisquer tipos de convívio social. Assim joga-se, mais uma vez, a poeira para debaixo do debate ao combater apenas um dos efeitos do problema, e não sua causa.
Se a lógica de punição por isolamento social for seguida a rigor, a única solução para criminosos "sem condição" de reintegração social seria a morte pura e simples. Daí decorrem dilemas éticos graves: 1) ao permitir a pena de morte, o Estado estaria institucionalizando a mais pura e simples vingança; 2) quem decide e como decide quais os criminosos "irrecuperáveis"?
A criminalidade como fardo social
Cotidianamente, o cidadão - em especial aquele das classes populares - é açoitado pela falta de serviços de saúde, educação e saneamento, para não falar do desemprego e da absurda quantia de subempregados. O Estado brasileiro está a anos-luz de oferecer a todos os seus cidadão os direitos básicos garantidos em lei.
Seria no mínimo imoral endurecer uma legislação que afeta principalmente quem não vê seus direitos respeitados no dia-a-dia.
Há também quem defenda a redução da maioridade penal argumentando que há pessoas que não têm condições de se reintegrarem à sociedade, como parece ser o caso do tal Champinha. De fato, deveria haver penas diferenciadas e mais severas para determinados tipos de crimes. É possível fazer isso com pequenas reformas na legislação penal que permitam aos juízes analisar caso a caso os delitos cometidos, sem que seja necessário reformular o código vigente.
Uma coisa é estabelecer punições diferenciadas para casos específicos; outra, totalmente diferente, é mudar uma legislação — que é considerada avançada inclusive por grupos de direitos humanos — para satisfazer emocionalmente a sociedade como um todo.
Exposição midiática e ganhos eleitorais
Além do mais, é ingenuidade tomar casos isolados como regra. Não é porque casos como este são repercutidos intensamente pela mídia que eles são, necessariamente, corriqueiros. Crime brutais como o que foi cometido por Champinha possuem características jornalísticas que os tornam atrativos como notícia, mas que nem por isso correspondem à realidade estatística da criminalidade. No máximo, contribuem para um aumento expressivo na percepção que a sociedade tem da violência.
A redução da maioridade já foi aprovada pelo CCJ (Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania) do Senado. Se aprovada, a medida vai atropelar disposição contrária do ECA. Será mais uma de uma série histórica de manobras ilegais perpetradas contra os mecanismos constitucionais do Estado.
Politicamente, a aprovação da redução da maioridade penal é conquista da direita nativa com endereço certo: a classe-média das grandes metrópoles do país, justamente as regiões mais afetadas pela violência urbana. No fundo, dá-se a impressão que os debates sobre a redução da maioridade penal são apenas um factóide para encher as páginas de opinião dos jornais e render dividendos políticos a seus ideólogos junto à população.
Modernização conservadora
A violência é um problema? Sem dúvida, e há maneiras de combatê-la sem criarmos um código penal fascista. Também não é preciso esperar pela próxima geração de brasileiros educados e bem-alimentados para reduzirmos a criminalidade.
Para diminuir a violência urbana é preciso, antes de mais nada, reaprender a enxergar os tons de cinza, bem como fugir das falsas dicotomias do discurso eleitoreiro.
A redução da maioridade penal é mais uma reencarnação dos tradicionais métodos de modernização conservadora aplicados pelas elites políticas e sociais do país ao longo de nossa história. Não devemos aceitar uma discussão que, fiel ao "jeitinho brasileiro", propõe mudar tudo — mas sem mudar nada.
A redução da maioridade penal de 18 para 16 anos é vista por seus defensores como uma maneira de inibir a ação criminosa, uma vez que, aprovada a medida, não haveria mais "regalias" para os adolescentes infratores — como alegadamente existe hoje sob o guarda-chuva do Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA. O menor, sabendo que permaneceria encarcerado por mais tempo caso fosse preso, sentiria-se desistimulado a praticar novos delitos.
Esse argumento se baseia numa visão intimidadora da justiça. Dados da organização norte-americana Death Penalty Information Center mostram, no entanto, que esse modelo intimidatório não surtem o efeito esperado. Nos Estados Unidos, entre o período de 1990 a 2005, as taxas de homicídio foram percentualmente mais baixas nos estados onde não há pena de morte.
"In 1990, the murder rates in these two groups were 4% apart. By 2000, the murder rate in the death penalty states was 35% higher than the rate in states without the death penalty. In 2001, the gap between non-death penalty states and states with the death penalty again grew, reaching 37%. For 2002, the number stands at 36%."Por trás dessa proposta está também a intenção de dar aos menores delituosos as mesmas condições de ressocialização oferecidas aos adultos. Ou seja, nenhuma. Pergunta-se: se as condições de recuperação são as mesmas (ou até piores), qual a vantagem em jogar os deliqüentes juvenis no mesmo cárcere de criminosos experientes e velhos-de-guerra?
Resposta: com a maioridade penal reduzida, os adolescentes infratores ficarão presos pelo mesmo período de tempo que os adultos e, com isso, manter-se-ão distantes de quaisquer tipos de convívio social. Assim joga-se, mais uma vez, a poeira para debaixo do debate ao combater apenas um dos efeitos do problema, e não sua causa.
Se a lógica de punição por isolamento social for seguida a rigor, a única solução para criminosos "sem condição" de reintegração social seria a morte pura e simples. Daí decorrem dilemas éticos graves: 1) ao permitir a pena de morte, o Estado estaria institucionalizando a mais pura e simples vingança; 2) quem decide e como decide quais os criminosos "irrecuperáveis"?
A criminalidade como fardo social
Cotidianamente, o cidadão - em especial aquele das classes populares - é açoitado pela falta de serviços de saúde, educação e saneamento, para não falar do desemprego e da absurda quantia de subempregados. O Estado brasileiro está a anos-luz de oferecer a todos os seus cidadão os direitos básicos garantidos em lei.
Seria no mínimo imoral endurecer uma legislação que afeta principalmente quem não vê seus direitos respeitados no dia-a-dia.
Há também quem defenda a redução da maioridade penal argumentando que há pessoas que não têm condições de se reintegrarem à sociedade, como parece ser o caso do tal Champinha. De fato, deveria haver penas diferenciadas e mais severas para determinados tipos de crimes. É possível fazer isso com pequenas reformas na legislação penal que permitam aos juízes analisar caso a caso os delitos cometidos, sem que seja necessário reformular o código vigente.
Uma coisa é estabelecer punições diferenciadas para casos específicos; outra, totalmente diferente, é mudar uma legislação — que é considerada avançada inclusive por grupos de direitos humanos — para satisfazer emocionalmente a sociedade como um todo.
Exposição midiática e ganhos eleitorais
Além do mais, é ingenuidade tomar casos isolados como regra. Não é porque casos como este são repercutidos intensamente pela mídia que eles são, necessariamente, corriqueiros. Crime brutais como o que foi cometido por Champinha possuem características jornalísticas que os tornam atrativos como notícia, mas que nem por isso correspondem à realidade estatística da criminalidade. No máximo, contribuem para um aumento expressivo na percepção que a sociedade tem da violência.
A redução da maioridade já foi aprovada pelo CCJ (Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania) do Senado. Se aprovada, a medida vai atropelar disposição contrária do ECA. Será mais uma de uma série histórica de manobras ilegais perpetradas contra os mecanismos constitucionais do Estado.
Politicamente, a aprovação da redução da maioridade penal é conquista da direita nativa com endereço certo: a classe-média das grandes metrópoles do país, justamente as regiões mais afetadas pela violência urbana. No fundo, dá-se a impressão que os debates sobre a redução da maioridade penal são apenas um factóide para encher as páginas de opinião dos jornais e render dividendos políticos a seus ideólogos junto à população.
Modernização conservadora
A violência é um problema? Sem dúvida, e há maneiras de combatê-la sem criarmos um código penal fascista. Também não é preciso esperar pela próxima geração de brasileiros educados e bem-alimentados para reduzirmos a criminalidade.
Para diminuir a violência urbana é preciso, antes de mais nada, reaprender a enxergar os tons de cinza, bem como fugir das falsas dicotomias do discurso eleitoreiro.
A redução da maioridade penal é mais uma reencarnação dos tradicionais métodos de modernização conservadora aplicados pelas elites políticas e sociais do país ao longo de nossa história. Não devemos aceitar uma discussão que, fiel ao "jeitinho brasileiro", propõe mudar tudo — mas sem mudar nada.
6 comentários:
O texto deu saudade de quando os chamados grandes colunistas colocavem menos de si mesmos no texto e apuravam mais, pensavam com alguma profundidade seus temas.
Impecável, se desconsiderado o formato casperiano e algumas palavras recorrentes no universo "estudante-de-jornalismo-padrão"...
Parabéns, meu amigo!
Olá! Vc deixou o endereço do blog no meu msn... já q eu nunca falei contigo. Tranquilo qto a isso... tava ocupada mesmo e peço desculpas.
No mais, adorei o blog e esse tópico.
É bom mostrar o outro lado de uma forma sutil como vc fez. A mídia escancara sua opinião a favor da redução da maioridade penal e pouco se ouve dos que são contra.
Antes também achava que seria uma solução, mas num debate na faculdade (faço Psicologia) comecei a rever minha opinião e enxergar que essa alteração é mais uma exigência da classe média do que uma providência sólida e coerente com nossa realidade social.
Abraços
Em relação ao seu comentário deveras impertinente no meu blog, é tudo uma questão de "momento de capitalização", caro D.
Veja bem: o lap top foi adquirido na Inglaterra, a um preço bem convidativo, e numa situação em que não me atormentavam os compromissos financeiros relativos à compra do diploma e ao pagamento do aluguel.
Veja você como é a relatividade do custo. R$ 59,00 podem ser muito quando a corda está apertada no pescoço... hehehe
Veado.
Viadobichacorno manso,
Estou discutindo contigo sobre o tema no msn. Mó preguiça de postar! Mas se até amanhã vc nao incluir outro post, prometo q escrevo aqui.
:D
Meus créditos como revisora, que é bom...
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