terça-feira, 20 de novembro de 2007

Socialismo, criancinha e rock n' roll

Além das criancinhas, os comunistas apreciam, como qualquer ser humano, a boa música. E boa música, com toda subjetividade que o termo pressupõe, não se resume à música clássica e erudita. Na verdade, trata-se do bom e velho rock n' roll.

Na extinta União Soviética, o rock era visto como propaganda capitalista e instrumento de aliciamento da juventude. Por conta dessa visão, os Beatles eram considerados "subversivos". Rolling Stones em Moscou? Nem pensar.

Com a queda do Muro de Berlim, abriu-se a porteira para a vingança anticomunista do rock. No entanto, surgiram inúmeras bandas pelo mundo afora cada vez mais engajadas na defesa dos ideais marxistas. Alguns camaradas chegaram inclusive ao mainstream enquanto disseminavam A Revolução.

Dizem que se Jimi Hendrix tivesse nascido na URSS, o capitalismo estaria morto. Pensando nisso, aqui vão quatro dicas de bandas comunas para o deleite da classe operária:

1) O caso mais emblemático é o do Rage Against The Machine. O pai do guitarrista Tom Morello foi guerillheiro no Quênia. Suas letras são claramente anti-imperialistas, com críticas pesadas ao bipartidarismo nos Estados Unidos e aos grandes monopólios empresariais. O vocalista Zack de la Rocha tem vínculos fortíssimos com os zapatistas no México. Aqui uma menção ao clássico 1984, de George Orwell:

Who controls the past now controls the future
Who controls the present now controls the past
Who controls the past now controls the future
Who controls the present now?



2) O Manic Street Preachers é pouco conhecido no Brasil. Originária do País de Gales, a banda tocou em Cuba em 2001 (ver vídeo) e fez questão de conhecer o presidente Fidel Castro. As letras abordam temas que vão de consumismo até amor e existencialismo, sempre sob uma perspectiva socialista.

The masses against the classes
Im tired of giving a reason
When the future is what we believe in
We love the winter, it brings us closer together



3) O Gang of Four é uma banda anterior à queda do Muro de Berlin. Criada em 1977 na Inglaterra, a banda tem no próprio nome traços de suas influências: "Bando dos Quatro" é a expressão utilizada para se referir aos responsáveis pela implementação da Revolução Cultural na China, presos logo após a morte de Mao Tsé-Tung. São influenciados pela interpretação marxista da Escola de Frankfurt e por pensadores estruturalistas, como Lacan e Foucault. Tocaram no Brasil em 2006 (ver vídeo).

Down on the disco floor
They make their profit
From the things they sell
To help you cover
all the rubbers you hide
In your top left pocket



4) Prata da casa: o Dead Fish surgiu no ínicio dos anos 90 no estado Espírito Santo. Apesar da banda não admitir ser marxista nem comunista, seus três primeiros discos, independentes, escancaram diversas idéias socialistas. Depois de assinarem com uma grande gravadora, a Deckdisc, o ímpeto diminuiu um pouco, é verdade. Mas nem por isso perderam o brilho:

Em nome do privado
Estatizarei
O Estado agora é o Eu
E isso inclui você

***

Minério, violência, especulação
Bens materiais a amar
Prédios altos que mostrarão
Quão grande o tombo será! (ver vídeo)


quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Sem sono

Quando criei este blog, não tive a intenção de expor fatos da minha vida particular ou causos de menor importância. No entanto, hoje abrirei uma exceção — embora o que estou para relatar tenha muito a ver com a situação das coisas no mundo em geral.

Há cerca de três semanas, uma mulher, cuja idade deve variar entre 30 e 40 anos, bateu na porta de casa. Ela buscava um lugar para tomar banho. Minha vó, que é a pessoa que fica aqui na maior parte do tempo, deixou. O pedido se repetiu, e com o tempo os banhos da senhora desconhecida se tornaram rotina.

A mulher, de poucas palavras, vive envolta em cachecóis e panos parecidos com véus, à semelhança de vestes muçulmanas. Parece ser bem articulada; falou até de socialismo e feminismo, segundo minha mãe. Mas não dá detalhes sobre seu passado ou família. Só se sabe que a mãe era enferemeira, e que vive na rua em um bairro vizinho ao nosso. Um mistério.

Há alguns dias, trouxe para minha vó um pedaço de pizza, que dissera ter ganho de outra família. Queria, de alguma maneira, retribuir o nós fizemos por ela. Nesta chuvosa quinta de feriado, às 23h00, a mulher tocou novamente a campainha, desta vez pedindo algo para comer. Foi prontamente atendida.

Assim que soube da história, não vi maiores problemas. Com o passar do tempo, porém, começou a me incomodar o fato de ter uma estranha quase que diariamente dentro de casa. Afinal, ninguém a conhece e tampouco sabe suas origens — para o bem ou para o mal.

Perdemos a privacidade e nos sentimos, de uma maneira ou de outra, invadidos cada vez que a senhora desconhecida toma banho aqui. Nós, que moramos de aluguel, não podemos assumir as prerrogativas do Estado e dar dignidade a alguém que caiu de para-quedas em nossas vidas. Também não temos culhões para simplesmente enxotá-la a pontapés.

Com um sincero peso no coração, pedi a minha mãe, na semana passada, que não deixasse mais a mulher entrar em casa. Vem sendo difícil, uma vez que ela parece ter se acostumado a receber nosso abrigo. Pode soar falso, mas também vem sendo difícil para nós — em especial para mim.

Para ser sincero, estou me sentindo um lixo humano por ter de fazer isso.

Eu poderia facilmente argumentar que o surgimento da mulher é conseqüência de um país que não dá assistência a seus cidadãos e jogar a responsabilidade para outra entidade qualquer. Poderia também dizer que não tenho obrigação nenhuma de dar abrigo a uma desconhecida.

Não é o caso: estamos falando de
humanidade.

Como amar o próximo respeitando nossa individualidade? Como ajudar alguém sem que este alguém se torne dependente? Como ser indiferente ao sofrimento alheio? Como separar as relações sociais das relações entre indivíduos?

Não foram poucas as horas e lágrimas dedicadas ao assunto.