Eduardo cruzou as ruas do bairro numa noite fria em busca de um cigarro para acalmar os nervos. Parou na padaria, tirou uns trocados do bolso e estendeu a mão em direção à caixa registradora. Voltou-se para a saída do lugar, cujas portas estavam prestes a fechar - passava das onze da noite. Deu alguns passos adiante, olhou para o céu azul e conferiu a integridade do maço que acabara de adquirir. Era um pacotinho vermelho de Free. Costumava fumar Marlboro, mas estivera comprando a nova marca há algumas semanas numa tentativa infrutífera de livrar-se do vício. Livre ali, no entanto, apenas sua incontornável ansiedade.
Depois de refletir um pouco, Eduardo limpou o nariz - que escorria por conta de uma gripe que o acometera no final de semana. Vinha trabalhando muito, sem tempo para cuidar da vida; nas horas vagas, dedicava-se à leitura, aos filmes, às visitas aos amigos. Às vezes tinha preguiça de si próprio. Tentava, no entanto, arrumar um objetivo, uma companhia, um desafio qualquer -buscava para si algo palpável para aplacar sua mal-disfarçada solidão.
Enquanto caminhava de volta para casa, seus olhos castanhos fitavam o ambiente a seu redor, esquivando-se das mechas de cabelo que teimavam em cair a sua frente. Esquerda, direita, à frente, rodeava o olhar como se temesse algo. O frio aumentara, e as rajadas de vento pareciam cada vez mais densas e rápidas. Suas olheiras estavam bastante profundas.
Então, o inesperado.
- Oi - exclamou, incrédulo.
- Olá! Sumido, heim? - disse ela, com um sorriso que o lembrava de tempos imemoriais.
- Pois é.
- E aí, tá bem?
- Podia estar melhor, é verdade. Mas ainda estou vivo. E você?
- Nunca estive tão bem, sabia?
- Legal - falou Eduardo, virando o olhar para o infinito. Encarou o comentário como uma provocação, mas preferiu ignorá-lo. E prosseguiu: - Sonhei com você uns dias atrás.
- Mesmo?
- É.
- Aposto que foi um pesadelo - disse ela, sem conter a gargalhada.
Eduardo não disse, mas pensou consigo mesmo:
- Ganhou a aposta.
Ficaram ali, no frio, a rua sem carros nem gente, conversando por alguns segundos - um par de minutos, no máximo - enquanto pensavam numa maneira de se livrarem daquela coincidência infeliz. Eduardo vestia bermuda verde-milico, botas marrons, meias pretas e uma blusa de capuz cinza. Inexplicavelmente, o nariz parou de incomodá-lo. Ela, por sua vez, calçava tênis brancos e gorro, refugiando-se da baixa temperatura com uma lã marrom e surradas calças jeans. Mesmo desconfortável, Janaína possuia enorme talento para lidar com esse tipo de desencontro - experiência adquirida depois de alguns anos de relacionamentos atribulados e mal-resolvidos.
- O que você faz aqui, e a essa hora?
- Estava de passagem e parei pra comprar um chiclete.
- Não sabia que você ainda frequentava essas bandas - brincou Eduardo, querendo acreditar que a presença daquela mulher ali tinha a ver consigo próprio. Sabia que ela nunca admitiria isso, mesmo se fosse o caso. Freqüentemente nutria pensamentos desse tipo sem saber exatamente o por quê.
- Tenho que ir. Estão me esperando no carro.
- Até.
Queria burlar a curiosidade, mas sabia quem a aguardava dentro daquele carro branco velho e enferrujado. Deu uma espiada, e recordou um dos personagens do sonho que tivera semanas antes. Esfregou as mãos para se esquentar e manteve o andar calmo rumo a seu sobrado grande e velho, que ficava numa viela a algumas quadras dali e onde vivia só. Continuou a caminhar.
No dia seguinte, Eduardo acordaria as seis da manhã para pegar o ônibus (lotado como de costume) e trabalhar. Aparentemente, estava feliz pela proximidade do salário - faltava uma semana para o dia 5. Seria uma segunda-feira qualquer, não fossem as páginas policiais, onde se lia que um jovem de 22 anos estava desaparecido desde o último domingo.
Fora visto pela última vez comprando cigarros na padaria do bairro.