quinta-feira, 26 de julho de 2007

O mocinho, a sereia, o vilão e o roteirista

Era uma vez um mocinho. Esse mocinho tem um conhecido histórico de negligência com a segurança de suas aeronaves; esse mesmo mocinho declara, em seus 7 mandamentos, que "nada substitui o lucro". Certo dia, um dos aviões do mocinho se acidenta na cidade de São Paulo: são cerca de 200 mortos, naquele que é considerado o maior acidente aéreo da história brasileira. Coincidentemente, há exatos 11 anos outra aeronave pertencente ao nosso herói caía há poucos metro dali, matando outra centena de passageiros — cujos familiares lutam, até hoje, para serem indenizados. Mas o mocinho não age sozinho; um de seus melhores parceiros é a sereia.

A sereia vem tentando, ao longo dos últimos 5 anos, desestabilizar um governo eleito e reeleito democraticamente por mais de 60% da população, ou seja, pela imensa maioria dos brasileiros. Essa personagem, vale dizer, esconde o governador do maior estado do país quando um acidente em uma obra do metrô (cuja responsabilidade é justamente da administração estadual) mata 7 trabalhadores pobres — incluindo um cobrador de lotação. Ironicamente, nossa criatura — que só é metade homem — permite que esse mesmo governador dê declarações levianas e sem nenhum conhecimento técnico sobre o acidente que, no início da história, matara cerca de 200 pessoas. Além disso, com o advento do "apagão aéreo", a sereia vem reforçando suas críticas com boas doses de golpismo; curiosamente, ela não teve a mesma postura com o governo anterior, responsável por outro apagão — o energético. A sereia omite fatos, cria teses e faz julgamentos: para ela, o culpado é sempre o vilão.

O vilão é um ser anômalo, feio, burro e barbudo. Além disso, ele é diariamente tachado de incompetente e ladrão; seus eleitores são frequentemente rotulados de ignorantes, iludidos e comprados. Porém, o vilão chegou ao poder — muito embora não o tenha de fato. Mesmo assim, o governo do Mal bateu recordes de geração de emprego, criou diversas vagas na universidade para estudantes pobres e deu prioridade às classes mais baixas na maioria de suas políticas públicas. Esse governo aumentou a renda de tal maneira que muitas pessoas passaram a viajar de avião, o que sobrecarregou a infra-estrutura aeroportuária existente e resultou no chamado "apagão aéreo". No entanto, ao privilegiar os miseráveis do país, o vilão começou a desagradar o roteirista da história.

O roteirista foi responsável pelos mais intrigantes momentos da trama: em 1964, ele pediu e apoiou um golpe militar contra um presidente eleito democraticamente; nos anos 1980, ele ajudou a eleger um presidente que congelou a poupança do próprio roteirista e que, três anos mais tarde, seria destituído por impeachment; já na década de 1990, o roteirista apoiou a venda do patrimônio público do país a grandes conglomerados internacionais por preços irrisórios. Em 2003, a princípio, o roteirista ficou feliz com a vitória do vilão nas urnas. No entanto, pouco tempo depois ele foi seduzido pelo canto da sereia; desde então, o roteirista, que até hoje não pega o mesmo elevador que sua empregada, vem fazendo de tudo para matar o vilão. Mas, infelizmente, o roteirista não consegue dar fim a essa história.

Porque nela quem manda, de verdade, é o público.

6 comentários:

LM disse...

Dentre as práticas de auto-legitimação, a possibilidade de transitar por vários universos simbólicos permite criar uma ilusão de universalidade e, portanto, de condição objetiva de julgamento. Sem falar que é mó simpático.

Daí a leitura do "popular" ao lado do "erudito" permite ao agente a construção de um discurso crítico a partir de seu ponto de vista aparentemente desvinculado.

Foi só por isso.

:-)

Abraços!

Anônimo disse...

Discordo radicalmente do conceito, mas admiro a construção do texto. Inteligente e criativo, sem dúvida.

Mas esse papo tipo Guido Mantega de que o caos aéreo é reflexo do crescimento do País, é bobagem.

Como também é bobagem, acho eu, imaginar que um governo que dá lucros recordes aos bancos "deu prioridade às classes mais baixas". Bem questionável, no mínimo. Dá uma boa discussão.

Ah, e a tese do "golpe das elites" e da "imprensa burguesa" é retórica vazia e já cansativa. Tá na hora de o governo Lula começar a governar. E de os militantes do PT - eu já fui um, por isso falo com certa propriedade - aprenderem que, sim, é possível criticar o governo sem que se queira derrubá-lo.

Mas termino com um elogio sincero: a qualidade é inversamente proporcional à qualidade do governo Lula, cara! :) Bom demais! Vê se não fica tanto tempo sem atualizar, porra! :P

Abraço

Anônimo disse...

Ops, faltaram duas palavras do último parágrafo:

"... a qualidade DO TEU BLOG é inversamente proporcional à qualidade do governo Lula".

Agora sim, hehehe! Abraço.

Nanamelon disse...

Que orgulho!

Jambo Ookamooga disse...

Você é ingênuo desse jeito ou é só pra dar uma cara pro blog?

No mais,
"Discordo radicalmente do conceito, mas admiro a construção do texto. Inteligente e criativo, sem dúvida." (2)

Cinthia Gomes disse...

Dieguito, não sabia que vc tinha um blog! Mas, pensndo bem, só vc teria um blog chamado "comedor de criancinhas". É isso aí, nego véio, é nóis!

bjs
cin