Sem sono
Quando criei este blog, não tive a intenção de expor fatos da minha vida particular ou causos de menor importância. No entanto, hoje abrirei uma exceção — embora o que estou para relatar tenha muito a ver com a situação das coisas no mundo em geral.
Há cerca de três semanas, uma mulher, cuja idade deve variar entre 30 e 40 anos, bateu na porta de casa. Ela buscava um lugar para tomar banho. Minha vó, que é a pessoa que fica aqui na maior parte do tempo, deixou. O pedido se repetiu, e com o tempo os banhos da senhora desconhecida se tornaram rotina.
A mulher, de poucas palavras, vive envolta em cachecóis e panos parecidos com véus, à semelhança de vestes muçulmanas. Parece ser bem articulada; falou até de socialismo e feminismo, segundo minha mãe. Mas não dá detalhes sobre seu passado ou família. Só se sabe que a mãe era enferemeira, e que vive na rua em um bairro vizinho ao nosso. Um mistério.
Há alguns dias, trouxe para minha vó um pedaço de pizza, que dissera ter ganho de outra família. Queria, de alguma maneira, retribuir o nós fizemos por ela. Nesta chuvosa quinta de feriado, às 23h00, a mulher tocou novamente a campainha, desta vez pedindo algo para comer. Foi prontamente atendida.
Assim que soube da história, não vi maiores problemas. Com o passar do tempo, porém, começou a me incomodar o fato de ter uma estranha quase que diariamente dentro de casa. Afinal, ninguém a conhece e tampouco sabe suas origens — para o bem ou para o mal.
Perdemos a privacidade e nos sentimos, de uma maneira ou de outra, invadidos cada vez que a senhora desconhecida toma banho aqui. Nós, que moramos de aluguel, não podemos assumir as prerrogativas do Estado e dar dignidade a alguém que caiu de para-quedas em nossas vidas. Também não temos culhões para simplesmente enxotá-la a pontapés.
Com um sincero peso no coração, pedi a minha mãe, na semana passada, que não deixasse mais a mulher entrar em casa. Vem sendo difícil, uma vez que ela parece ter se acostumado a receber nosso abrigo. Pode soar falso, mas também vem sendo difícil para nós — em especial para mim.
Para ser sincero, estou me sentindo um lixo humano por ter de fazer isso.
Eu poderia facilmente argumentar que o surgimento da mulher é conseqüência de um país que não dá assistência a seus cidadãos e jogar a responsabilidade para outra entidade qualquer. Poderia também dizer que não tenho obrigação nenhuma de dar abrigo a uma desconhecida.
Não é o caso: estamos falando de humanidade.
Como amar o próximo respeitando nossa individualidade? Como ajudar alguém sem que este alguém se torne dependente? Como ser indiferente ao sofrimento alheio? Como separar as relações sociais das relações entre indivíduos?
Não foram poucas as horas e lágrimas dedicadas ao assunto.
2 comentários:
Foda.
cadê o sex?
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