O mocinho, a sereia, o vilão e o roteirista
Era uma vez um mocinho. Esse mocinho tem um conhecido histórico de negligência com a segurança de suas aeronaves; esse mesmo mocinho declara, em seus 7 mandamentos, que "nada substitui o lucro". Certo dia, um dos aviões do mocinho se acidenta na cidade de São Paulo: são cerca de 200 mortos, naquele que é considerado o maior acidente aéreo da história brasileira. Coincidentemente, há exatos 11 anos outra aeronave pertencente ao nosso herói caía há poucos metro dali, matando outra centena de passageiros — cujos familiares lutam, até hoje, para serem indenizados. Mas o mocinho não age sozinho; um de seus melhores parceiros é a sereia.
A sereia vem tentando, ao longo dos últimos 5 anos, desestabilizar um governo eleito e reeleito democraticamente por mais de 60% da população, ou seja, pela imensa maioria dos brasileiros. Essa personagem, vale dizer, esconde o governador do maior estado do país quando um acidente em uma obra do metrô (cuja responsabilidade é justamente da administração estadual) mata 7 trabalhadores pobres — incluindo um cobrador de lotação. Ironicamente, nossa criatura — que só é metade homem — permite que esse mesmo governador dê declarações levianas e sem nenhum conhecimento técnico sobre o acidente que, no início da história, matara cerca de 200 pessoas. Além disso, com o advento do "apagão aéreo", a sereia vem reforçando suas críticas com boas doses de golpismo; curiosamente, ela não teve a mesma postura com o governo anterior, responsável por outro apagão — o energético. A sereia omite fatos, cria teses e faz julgamentos: para ela, o culpado é sempre o vilão.
O vilão é um ser anômalo, feio, burro e barbudo. Além disso, ele é diariamente tachado de incompetente e ladrão; seus eleitores são frequentemente rotulados de ignorantes, iludidos e comprados. Porém, o vilão chegou ao poder — muito embora não o tenha de fato. Mesmo assim, o governo do Mal bateu recordes de geração de emprego, criou diversas vagas na universidade para estudantes pobres e deu prioridade às classes mais baixas na maioria de suas políticas públicas. Esse governo aumentou a renda de tal maneira que muitas pessoas passaram a viajar de avião, o que sobrecarregou a infra-estrutura aeroportuária existente e resultou no chamado "apagão aéreo". No entanto, ao privilegiar os miseráveis do país, o vilão começou a desagradar o roteirista da história.
O roteirista foi responsável pelos mais intrigantes momentos da trama: em 1964, ele pediu e apoiou um golpe militar contra um presidente eleito democraticamente; nos anos 1980, ele ajudou a eleger um presidente que congelou a poupança do próprio roteirista e que, três anos mais tarde, seria destituído por impeachment; já na década de 1990, o roteirista apoiou a venda do patrimônio público do país a grandes conglomerados internacionais por preços irrisórios. Em 2003, a princípio, o roteirista ficou feliz com a vitória do vilão nas urnas. No entanto, pouco tempo depois ele foi seduzido pelo canto da sereia; desde então, o roteirista, que até hoje não pega o mesmo elevador que sua empregada, vem fazendo de tudo para matar o vilão. Mas, infelizmente, o roteirista não consegue dar fim a essa história.
Porque nela quem manda, de verdade, é o público.