Bateu, sim!
Algumas coisas não mudam.
Quinta-feira, voltando pra casa, dormindo no busão. Acordo assustado, seco a baba e ouço a gritaria.
- Abre, abre, abre!
Um tiozão duns 60 anos, camisa bem alinhada e calça à altura do pescoço, espumava. Ensandecido, acusou o motorista de ter batido o coletivo no carro dele - Honda Fit tinindo.
- Como, se o busão tava parado?
E lá se foi o motorista, acompanhado de seu fiel ajudante, o cobrador. Perplexidade entre os passageiros, presos no coletivo. Enquanto isso, numa calçada da Nove de Julho, o tiozão do Fit continuava chilicando, tipo criança que não ganhou Playstation 3 de aniversário.
- VOCÊ BATEU SIM! VOCÊ BATEU SIM! VOCÊ (dedo na cara) BATEU SIM!
Cobrador e motorista não observaram nenhum sinal de batida no bumba. A mulher do véio pitizento argumentou que os passageiros do ponto testemunharam a cena. Nenhum deles se manifestou.
Logo veio a suspeita: armação para engambelar seguradora.
Também veio o nervosismo. Passageiros começaram a gritar para saírem dali. Do nada surge o reclamente, e tira a chave do contato do busão. O cobrador parte pra cima, e ouve:
- Você é polícia? Não? Então foda-se!
O tiozão leva a chave consigo. Aproveita distração do motorista, manobra o carro, sai pela calçada. Pela calçada, e com a chave. Cobrador: "ele levou a chave?". Motorista: "caralho, levou!".
E disparam a correr.
Alcançam o meliante parado num semáforo alguns metros adiante, esquina com a São Gabriel. Joga a chave longe, cai dentro dum prédio. E volta pra casa com o carro misteriosamente amassado.
Passageiros, já na rua, olhavam atônitos, indignados. Ofereciam-se para serem testemunhas do motorista do busão.
Tentavam, aturdidos, entender as razões daquele ato bizonho de egoísmo e mesquinharia. No fundo, sabiam que algumas coisas realmente não mudam.