quinta-feira, 22 de maio de 2008

Jornada

São 18h30, o tempo está ameno. Até então, Diego - vestido com calção e chuteira para jogar bola com os amigos à tarde, o que evidentmente não se concretizou - não havia visto a cor do céu. O plantão em casa começou às 7h30.

- Mãe, vou ali na farmácia rapidinho.
- Tá bom filho. Põe uma blusa, esfriou.
- Tá bom assim.

Três minutos depois, Diego está de volta.

- Mas já, filho? - perguntou, intrigada.
- É, a farmácia tá fechada - respondeu. E completou:
- Esqueci que era feriado.

- Ah.

Subiu as escadas e voltou ao trabalho no computador. O plantão acabou às 23h45.

Ainda não há informações sobre uma eventual dor de cabeça. A hipótese de hora-extra já está de antemão descartada.

domingo, 18 de maio de 2008

Domingo

Eduardo cruzou as ruas do bairro numa noite fria em busca de um cigarro para acalmar os nervos. Parou na padaria, tirou uns trocados do bolso e estendeu a mão em direção à caixa registradora. Voltou-se para a saída do lugar, cujas portas estavam prestes a fechar - passava das onze da noite. Deu alguns passos adiante, olhou para o céu azul e conferiu a integridade do maço que acabara de adquirir. Era um pacotinho vermelho de Free. Costumava fumar Marlboro, mas estivera comprando a nova marca há algumas semanas numa tentativa infrutífera de livrar-se do vício. Livre ali, no entanto, apenas sua incontornável ansiedade.

Depois de refletir um pouco, Eduardo limpou o nariz - que escorria por conta de uma gripe que o acometera no final de semana. Vinha trabalhando muito, sem tempo para cuidar da vida; nas horas vagas, dedicava-se à leitura, aos filmes, às visitas aos amigos. Às vezes tinha preguiça de si próprio. Tentava, no entanto, arrumar um objetivo, uma companhia, um desafio qualquer -buscava para si algo palpável para aplacar sua mal-disfarçada solidão.

Enquanto caminhava de volta para casa, seus olhos castanhos fitavam o ambiente a seu redor, esquivando-se das mechas de cabelo que teimavam em cair a sua frente. Esquerda, direita, à frente, rodeava o olhar como se temesse algo. O frio aumentara, e as rajadas de vento pareciam cada vez mais densas e rápidas. Suas olheiras estavam bastante profundas.

Então, o inesperado.

- Oi - exclamou, incrédulo.
- Olá! Sumido, heim? - disse ela, com um sorriso que o lembrava de tempos imemoriais.
- Pois é.
- E aí, tá bem?
- Podia estar melhor, é verdade. Mas ainda estou vivo. E você?
- Nunca estive tão bem, sabia?
- Legal - falou Eduardo, virando o olhar para o infinito. Encarou o comentário como uma provocação, mas preferiu ignorá-lo. E prosseguiu: - Sonhei com você uns dias atrás.
- Mesmo?
- É.
- Aposto que foi um pesadelo - disse ela, sem conter a gargalhada.
Eduardo não disse, mas pensou consigo mesmo:
- Ganhou a aposta.

Ficaram ali, no frio, a rua sem carros nem gente, conversando por alguns segundos - um par de minutos, no máximo - enquanto pensavam numa maneira de se livrarem daquela coincidência infeliz. Eduardo vestia bermuda verde-milico, botas marrons, meias pretas e uma blusa de capuz cinza. Inexplicavelmente, o nariz parou de incomodá-lo. Ela, por sua vez, calçava tênis brancos e gorro, refugiando-se da baixa temperatura com uma lã marrom e surradas calças jeans. Mesmo desconfortável, Janaína possuia enorme talento para lidar com esse tipo de desencontro - experiência adquirida depois de alguns anos de relacionamentos atribulados e mal-resolvidos.

- O que você faz aqui, e a essa hora?
- Estava de passagem e parei pra comprar um chiclete.
- Não sabia que você ainda frequentava essas bandas - brincou Eduardo, querendo acreditar que a presença daquela mulher ali tinha a ver consigo próprio. Sabia que ela nunca admitiria isso, mesmo se fosse o caso. Freqüentemente nutria pensamentos desse tipo sem saber exatamente o por quê.
- Tenho que ir. Estão me esperando no carro.
- Até.

Queria burlar a curiosidade, mas sabia quem a aguardava dentro daquele carro branco velho e enferrujado. Deu uma espiada, e recordou um dos personagens do sonho que tivera semanas antes. Esfregou as mãos para se esquentar e manteve o andar calmo rumo a seu sobrado grande e velho, que ficava numa viela a algumas quadras dali e onde vivia só. Continuou a caminhar.

No dia seguinte, Eduardo acordaria as seis da manhã para pegar o ônibus (lotado como de costume) e trabalhar. Aparentemente, estava feliz pela proximidade do salário - faltava uma semana para o dia 5. Seria uma segunda-feira qualquer, não fossem as páginas policiais, onde se lia que um jovem de 22 anos estava desaparecido desde o último domingo.

Fora visto pela última vez comprando cigarros na padaria do bairro.

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Minha filha

"Na escola, Bonanno lia e relia a história da Sicília, e muitas vezes imaginava, ao ver tanta grandiosidade em cidades tão pobres, por que não houvera mais revoltas contra a extravagância da nobreza e da Igreja. Mas ele conhecia a habilidade da Igreja para convencer os fiéis de que a recompensa de seus sofrimentos seria conquistada no céu.

Ele percebia também que aqueles que eram capazes de organizar as massas eram muitas vezes absorvidos nas fileiras dos amici; e os amici não eram reformadores. Não buscavam a derrubada do sistema, aliás duvidando que o pudessem fazer, mesmo que quisessem. Havia aprendido a conviver com o sistema, explorá-lo na mesma medida em que o sistem explorava o país.

Só havia um exemplo dramático na história da Sicília em que a empobrecida e amargurada população foi capaz de organizar uma bem sucedida revolta nacional contra seus opressores, na época dos franceses. A causa da rebelião ocorreu na segunda-feira de Páscoa de 1282, quando um soldado francês estuprou uma moça siciliana no dia de seu casamento.

De repente, um grupo de sicilianos vingou-se massacrando um pelotão de soldados, e à medida que a notícia ia chegando a outros sicilianos, mais soldados eram mortos em cidade após cidade - e um frenético acesso de xenofobia rapidamente espalhou-se por toda a ilha, enquanto turbas alucinadas atacavam e matavam todos os franceses que encontravam.

Milhares de franceses foram assassinados em alguns poucos dias, e alguns historiadores locais afirmavam que dessa ocasião datava o aparecimento da Máfia, cujo nome proveio do grito de angústia da mãe da virgem violentada, que corria pelas ruas bradando ma fia, ma fia, minha filha".


Gay Talese, em Os Honrados Mafiosos. Livro-reportagem que conta a história da Máfia no nordeste dos Estados Unidos por meio da famiglia Bonanno e seu herdeiro, Bill Bonanno. Publicado originalmente em 1972.

sábado, 10 de maio de 2008

266 e os shoppings

Hoje São Paulo registrou 266km de congestionamento no trânsito. Um recorde.

Não consigo visualizar esse tanto de carros enfileirados, embora saiba que é o bastante para acabar com o bom-humor de muita gente - eu inclusive.

O trânsito em São Paulo tem culpado: a moleza do governo municipal. Nesta e noutras administrações anteriores. O Poder Público é frouxo e leniente em São Paulo. Dou exemplo:

Acaba de ser inaugurado um shopping na avenida Francisco Matarazzo, zona oeste da capital: o shopping Bourbon.

O estabelecimento fica a quase dois quilômetros do metrô mais próximo. Algumas linhas de ônibus passam na porta, mas o número de coletivos ainda é insuficiente - como é praxe no restante da cidade.

Na extremidade oposta da mesma avenida, há outro shopping - o West Plaza - e, no meio, um estádio de futebol, o Palestra Itália, do Palmeiras.

Agora, imagine um domingão, aquele mundaréu entrando e saindo nos dois shoppings e torcedores indo ao estádio. E nos dias de semana? Neles, o fluxo já piorou bastante por conta da inauguração desse "moderno" empreendimento.

Não há espaço pra tanto carro em São Paulo. E o aumento de carros é estimulado pelo governo, que autoriza bizarrices como essa em regiões que já estão abarrotadas de veículos.

A cidade deve ter mais vagas de estacionamento do que habitantes.

Pior: já li que uma construtura quer construir um novo shopping, desta vez na avenida Paulista.

Já pensou? Quem anda pela Paulista sabe que o trânsito ali é talvez o pior de toda a cidade - mesmo com quatro estações de metrô ao longo da via.

Quem autorizou a construção desse novo shopping merece, por baixo, um ano na Sibéria.

Ou então um Lada 1985 caindo na cabeça.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Cohen de bico

A oposição diz que a ministra Dilma Rousseff criou um dossiê cujo objetivo era intimidar a própria oposição com informações sobre os gastos no cartão corporativo do ex-presidente FHC.

MAS nesta sexta-feira saiu na imprensa que um assessor (curiosamente, quando o problema envolve tucanos o culpado é sempre o assessor) do senador Álvaro Dias do PSDB - partido do ex-presidente - foi quem recebeu o suposto dossiê.

De quem? De um funcionário petista supostamente ligado ao ex-ministro José Dirceu.


A confirmar a história toda - já que a prudência recomenda bastante ceticismo na leitura dos jornais -, pergunto:

Álvaro Dias queria esculhambar um colega de partido?

Foi ou não o governo que criou o tal do dossiê?


Por que um petista faria um dossiê e entregaria a um tucano?


Se a intenção era intimidar alguém da oposição, por que nenhum parlamentar do DEM-PSDB apareceu se dizendo intimidado?


Enquanto isso, Álvaro Dias tergiversa e desconversa, dizendo que o importante não é saber quem fez o dossiê, mas sim quem o vazou.

Meu palpite: aposto que o próprio senador criou o "dossiê" para que a oposição, esta sim, pudesse intimidar politicamente o governo.


É o Plano Cohen com bico e plumas.


quarta-feira, 7 de maio de 2008

Mais um dia

Trabalhar dez horas diárias (fora o tempo no busão), tentar achar pauta em todo quarteirão dobrado, fazer plantão de fim de semana, não ganhar hora extra, ter que virar empresário pra receber seu salário, ouvir um monte de besteira de tudo quanto é gente. O mais legal: estando gripado - e há quatro anos sem férias.

Essa profissão não é pra mim.