segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Santos e revolucionários


No dia 9 de outubro comemora-se o dia de São Dionísio. Enviado pelo Papa para criar a primeira comunidade cristã na região da Lutécia (hoje Paris, França), o santo foi morto no século III, acusado de pregar o catolicismo, religião ilegal à época.o dia 9 de outubro comemora-se o ia de São Dionísio. Enviado pelo Papa

Alguns séculos mais tarde, nessa mesma data, haveria outra morte em circustâncias parecidas: em 1967, Ernesto Guevara de la Serna, o Che, foi executado friamente por militares depois de ter sido capturado na cidade de La Higuera, na Bolívia, onde liderava um grupo guerrilheiro. Ao assassiná-lo, os milicos bolivianos pensavam ter dado fim a um dos maiores propagandistas vivos da Revolução.

Mas o tiro saiu, quase que literalmente, pela culatra: a morte de Guevara fez do guerrilheiro o maior mártir do comunismo. Embora não pretendesse a santidade, Che tornar-se-ia, involuntariamente, a versão socialista contemporânea de São Dionísio.

Após a morte de Che, sua popularidade foi aumentando ano-a-ano, não sem incomodar uns e outros. A direita nunca admitiu que houvesse uma figura como El Che. Por ser humano, acertou e falhou. Por ser socialista, seus erros eram expostos e seus acertos, acobertos. Desde sua morte, as forças conservadoras vem tentando deslegitimá-lo com calúnias e difamações. Para isso vale tudo: omitir, mentir, chamá-lo de oportunista, ingênuo ou até mesmo de covarde, como fez recentemente uma grande revista brasileira.

No entanto, pouco se fala sobre os motivos que fizeram do guerrilheiro um herói. É difícil chamar de assassino um homem que, em pleno combate, prestava auxílio médico a seus inimigos. É no mínimo improvável que seja oportunista um homem que largou uma vida cômoda como médico para ser guerrilheiro na selva. É impossível qualificar de covarde um homem que, depois de fazer a Revolução e virar ministro, abdicou de suas funções no governo e foi, de peito aberto, para a luta armada na África e América Latina.


O desapego ao poder, o idealismo e o senso de justiça são algumas razões pelas quais Che Guevara tornou-se ícone de gerações de jovens em busca de um mundo melhor. Pode-se espernear à vontade; alguns, inclusive, podem achar a imagem de Che surrada, “clichê”, talvez pela sua presença em camisetas e produtos diversos pelo mundo afora.


Nada disso, no entanto, invalida o extraordinário humanismo deste que foi o mais dedicado dos lutadores do século XX. “Procurem sentir no mais profundo de vocês qualquer injustiça cometida contra qualquer pessoa em qualquer parte do mundo. É a mais bela qualidade de um revolucionário". Belíssimo, camarada. Belíssimo.

Mais do que isso: sua postura diante do mundo é um dos maiores legados que a experiência socialista deixou à humanidade. Che analisou escrupulosamente a realidade, mas sem deixar de lado seu ideal. Acreditou no sonho que, no final das contas, é o sonho de todos nós. Foi a fundo na prática revolucionária, sem contudo deixar a teoria de lado. Não delineou fronteiras; a liberdade humana foi sua Pátria. São Dionísio não faria melhor.

Che Vive!

sábado, 6 de outubro de 2007

Tropa de Elite

Publicado originalmente na comunidade Botequim Socialista

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Vi ontem Tropa de Elite. Minha mão coçou, não me agüentei e aqui vão algumas impressões:

Não achei o filme fascista, como a maioria. O fato do longa mostrar as relações sociais do tráfico pela ótica do BOPE não significa uma adesão automática à lógica policial. Esse argumento me parece maniqueísta. Como disseram alguns aqui, entre eles o Phantom, precisamos de filmes que mostrem a visão do outro lado. Até porque para vencer o inimigo é preciso entendê-lo, não?

Uma coisa que me chamou a atenção foi que, durante todo o filme, a polícia, representada pelo cap. Nascimento, diverge da classe média, travestida sob a figura dos estudantes. A crítica da esquerda diz que a polícia só bate em pobre e protege a playboizada, isto é, da classe média. Como divergir da classe média então?

Por aí já não acho que o filme assine embaixo do BOPE, não.

Por outro lado, a narrativa glamuriza, sim, as ações do BOPE, mas, a meu ver, isso é mais uma exigência mercadológica, vamos dizer assim, do que um apoio irrestrito às práticas ali retratadas. Isso também depende de quem vê o filme: eu não acho legal ver o cap. Nascimento ensacando a mulecada só porque ele é honesto dentro da corporação. Uma coisa não tem nada a ver com a outra.

Aliás, o BOPE é glamurizado por ser honesto dentro dos parâmetros do mundo policial, os quais, como é mostrado no longa-metragem, não são exatamente bons.

A meu ver, ninguém ali no filme escapa da crítica: BOPE, PM, traficantes, ONG’s que mantém relações “amistosas” com o tráfico e, principalmente, a classe média. Para mim a instituição mais criticada no filme é a classe média. Numa analogia, o baseado do estudante pode ser considerado a renda que essa classe (e daí pra cima) não quer distribuir nem a pau — assim como o muleque não quer deixar de fumar unzinho.

Além disso, o universitário-traficante protestando contra a violência é a imagem cuspida e escarrada do comportamento da elite brasileira: se omite a vida inteira dos problemas que ela mesma criou para a sociedade, mas resolve protestar quando esse mesmo problema bate a sua porta. De acordo com essa interpretação, a cena do Matias dando bicuda no estudante em meio ao protesto foi, para mim, a mais catártica de todo o filme.

O filme tem três méritos: 1) não aponta culpados, e sim mostra que o problema do tráfico e da violência só vai ser resolvido quando o Estado investir no morro ao invés de só ficar na repressão. 2) mostrar que cada ente envolvido nessa luta tem sua própria lógica e não uma brutalidade inata; 3) estimular, e muito, a discussão. Esse é o principal.

E o Wagner Moura é mesmo um puta ator, hehehe!

Enfim, é isso.